Olhar para o horizonte em expectativa para o que vem da esquina. A auxiliar de serviços gerais Ivonete Mendes, de 46 anos, está ansiosa, como todos os dias depois da labuta. Ela usa diariamente o transporte público para chegar ao trabalho na cidade de Luziânia (GO). Em uma rotina exaustiva, são, em média, 50 minutos de viagem, do centro para o bairro de Estrela Dalva 8.
Nesta semana, ela recebeu uma notícia que a animou: o município passou a oferecer transporte gratuito. As catracas liberadas farão, nas contas dela, uma economia de mais de R$ 130. Porém, ficou, em parte, “decepcionada”. O transporte demorou mais de uma hora para chegar. “Antes, passava de 30 em 30 minutos. Agora, está demorado e lotado”.
De acordo com a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, a gratuidade no transporte coletivo público é uma realidade em pelo menos 84 cidades brasileiras todos os dias da semana. Em Luziânia, eram 12 mil passagens por semana (ou cerca de 50 mil por mês). “Por um estudo que foi feito, essa quantidade vai triplicar em função da gratuidade”, indicou a assessoria de comunicação da prefeitura.
A administração do município entende que a gratuidade fará com que pessoas que antes não saíam de casa em função do custo da passagem (antes custava entre R$ 2,90 e R$ 3) poderão usar mais o serviço. A assessoria de comunicação da prefeitura entende que a queixa da demora “não faz sentido” porque há 22 ônibus, 10 (novos) a mais do que antes.
A prefeitura garante que há uma tendência de aumentar a frota.
Recursos
A empresa concessionária na cidade é a Catedral. Na iminência do aumento das passagens, a prefeitura resolveu subsidiar o serviço com R$ 150 mil por mês. Para garantir os 100% para toda a população, os custos podem chegar a R$ 850 mil, mas esse número pode variar em função da quantidade de pessoas que vão utilizar o serviço. Os recursos são próprios da prefeitura e devem ser custeados com emendas parlamentares para garantir o benefício também no ano que vem.
Mais desafios de melhorias vão precisar entrar na contabilidade da administração. A auxiliar de enfermagem Cleane de Souza, de 27 anos, além da demora dos ônibus, lamenta que o transporte não chega perto da casa dela. “Fico na estrada e preciso andar três quilômetros até minha casa (bairro do Sol Nascente)”.
Auxiliar de serviços gerais, Marlene Souza, de 47, também reclama que o ônibus não chega ao bairro dela, na Serrinha. “Demora o transporte e eu tenho que andar mais de um quilômetro. Eles vão ter que melhorar isso”.
À espera do cartão
Mesmo já com o início da gratuidade do transporte, não são todos os cidadãos que já têm esse direito. É necessário fazer o cartão que garante passar pela catraca. A gratuidade faz diferença na vida, por exemplo, da cozinheira Romilda Machado, de 48 anos. Nesta semana, ela pediu liberação do serviço no restaurante em que trabalha para fazer o cartão. Chegou às 9h em um posto da prefeitura e conseguiu finalmente ser atendida às 16h30. Ela, que sai de casa todos os dias às 6h e ganha um salário mínimo, poderá economizar mais de R$ 120. “Foi demorado, mas é muito importante para mim”.
No mesmo posto de atendimento, duas amigas, a auxiliar de limpeza Lucineide Barbosa, de 44, e a merendeira Débora Fernandes, de 41, não se importavam com a demora. “Para quem ganha um salário mínimo, essa foi a melhor notícia que poderíamos receber”, comemorava Lucineide.
Débora, pelo mesmo motivo, explicou no trabalho que precisaria se ausentar. Ela, que sai de casa antes do nascer do sol, estava cansada, mas sabe que 10% do salário poderá ser poupado e se transformar em alimentos para casa. Ela, além do transporte dentro de Luziânia, tem um gasto de mais R$ 5.60 para chegar à Região Administrativa do Gama (DF), onde trabalha. “O dinheiro para ônibus tira muito do meu salário”.
A prefeitura admite que há reclamações a respeito da demora na confecção dos cartões, mesmo havendo 12 pontos no município para produção do documento. A assessoria de imprensa chama atenção para elevada procura e até boatos que circulam na cidade de que o cadastramento só iria até dia 1º de janeiro. Apesar disso, a cidade tem recebido queixas por intermédio da ouvidoria municipal e até por redes sociais.
Efeitos
Pesquisador no tema, Artur Morais, doutor em transporte e auditor fiscal em atividades urbanas, afirma que, para a redução dos problemas de implementação da gratuidade do transporte público, é necessário que o município priorize investimentos. “Isso é normal. Muita gente vai deixar o carro e usar ônibus porque vai ficar mais barato. Tem que aumentar a frota para melhorar o sistema”.
Além disso, o especialista indica que o transporte gratuito pode também gerar emprego. “O empresário que vai deixar de pagar o vale transporte. De cada 10 funcionários que deixar de pagar o benefício, é um funcionário a mais que ele vai poder contratar”.
No volante
Também comemoraram a novidade os funcionários da empresa concessionária. O motorista Elder Silva, de 33 anos, que trabalha desde 2016 na função, ficou feliz que não terá mais que dividir-se entre dirigir e cobrar a passagem. “Tem ônibus novo e nosso trabalho vai ficar mais fácil”.
A colega, Luana Maia, começou como cobradora até chegar ao volante. Foi dirigir para ajudar a pagar a faculdade de enfermagem e gostou do trabalho. Guia o ônibus pela cidade inteira desde 2019. “Com a passagem gratuita, achei gratificante. Podemos transportar mais gente”. Ela coloca o cinto e acelera. As paradas estão cheias à espera dela.
Programa
O programa Tarifa Zero no Transporte Público, que prevê a gratuidade em ônibus na cidade de Luziânia foi oficialmente implementado no início desta semana.
Agência Brasil
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