Uma mulher idosa de 84 anos foi encontrada em condições análogas à escravidão em uma casa na Zona Norte do Rio de Janeiro. Segundo o Ministério do Trabalho e Previdência trata-se do caso de maior período sob trabalho análogo à escravidão já registrado pela Inspeção do Trabalho. Ela trabalhou por 72 anos para a mesma família.
A vítima trabalhava desde os 12 anos, quando foi levada pela família para a qual os pais trabalhavam com a promessa de estudar na capital. Essa família, no entanto, acabou fazendo com que atuasse como doméstica por mais de sete décadas.
Ela exerceu neste período tarefas como cozinhar, lavar e passar roupas, varrer o quintal e fazer compras na feira. Atualmente, mesmo com idade avançada, ela continuava exercendo atividades laborais, principalmente como cuidadora da patroa, que possui idade semelhante.
O resgate foi feito por auditores-fiscais do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no Rio de Janeiro e teve início no dia 15 de março. Por se tratar de uma residência, foi preciso um mandado judicial para que fosse realizado. O mandado foi concedido pela 30ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, em ação ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, que também participou da operação.
Considerada parte da família
Durante o curso da ação fiscal foram ouvidos em depoimentos formais a trabalhadora, o núcleo familiar dos empregadores, bem como parentes da vítima, que residem no interior do estado do Rio, e vizinhos, que confirmaram como teve início ou se desenvolveu a relação de emprego.
O trabalho foi considerado análogo à escravidão, entre outros fatores, porque havia vínculo de emprego sem nenhum pagamento de salários e sem férias durante mais de setenta anos. A jornada exaustiva de trabalho era realizada de segunda a segunda, sem folgas.
Segundo o auditor-fiscal do Trabalho Alexandre Lyra, os empregadores alegaram que a trabalhadora doméstica era equiparada a alguém da família, o que não foi constatado durante a inspeção. Ela foi encontrada dormindo em um sofá, em espaço improvisado como dormitório em local de acesso ao quarto da empregadora.
A trabalhadora doméstica também não podia manter contato com os parentes. A equipe também verificou que a ela possuía aposentadoria, porém o cartão e a senha estavam com o empregador.
De acordo com o Ministério do Trabalho, os auditores-fiscais notificaram o empregador, dando-lhe ciência formal da necessidade do afastamento da empregada do ambiente de trabalho; da assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social por meio de lançamento no eSocial; do pagamento das verbas rescisórias devidas no prazo de 10 dias e de outras pertinentes providências. As verbas salariais e rescisórias são de aproximadamente R$ 110 mil. Além disso, é garantido o recebimento de três parcelas de seguro-desemprego para trabalhador resgatado, de um salário mínimo cada.
Trabalho escravo doméstico
Somente este ano, segundo dados atualizados hoje (13) pelo Ministério do Trabalho e Previdência, cinco mulheres foram resgatadas de trabalho escravo doméstico nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Paraíba e Rio Grande do Sul.
Segundo a pasta, outras ações fiscais envolvendo resgates de trabalhadores domésticas estão em andamento. Em 2021, foram resgatados 30 trabalhadores nessa situação. O maior número desde 2017.
Trabalho análogo a escravidão
De acordo com o Código Penal, a condição análoga à escravidão é definida quando uma pessoa é submetida a trabalhos forçados, a jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho. Ocorre também quando a pessoa tem a locomoção restrita ou o cerceamento do uso de meios de transporte com o objetivo de ser mantida no local de trabalho. E, ainda, quando há uma vigilância ostensiva ou quando os documentos ou objetos pessoais são retidos para que a pessoa permaneça no trabalho.
Lyra esclarece que para a configuração da jornada exaustiva não é necessário que o trabalhador seja encontrado já com as forças exauridas, mas, sim, que não tenha folgas ou descansos para a recomposição de energia.
No Brasil, no dia 13 de maio de 1888 foi promulgada a Lei Áurea que, formalmente acabou com a escravidão legal no país. A lei, no entanto, não pôs fim, na prática, às situações análogas à escravidão.
Os dados do Ministério do Trabalho mostram que o Brasil encontrou 1.959 pessoas em situação de escravidão em 2021, maior número desde os 2.808 trabalhadores de 2013.
Em 2022, até esta sexta-feira, as ações concluídas de combate ao trabalho escravo da Inspeção do Trabalho resgataram um total de 500 trabalhadores que estavam sendo explorados em condições de escravidão contemporânea. Em uma única ação em Minas Gerais, foram resgatados 273 trabalhadores.
Em relação às atividades, a maior parte do resgates foi em cultivo de cana-de-açúcar (299), seguido pela produção de carvão vegetal (54), cultivo de alho (25) e criação de bovinos para corte (23).
O Ministério do Trabalho ressalta que denúncias de trabalho escravo podem ser feitas, de forma remota e sigilosa, no Sistema Ipê, pelo link ipe.sit.trabalho.gov.br.
*Colaborou a estagiaria Marina Burck
Agência Brasil
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