21 de novembro de 2024

Jutan Araújo

Sem Meias Verdades

Estudo mostra como são construídas lideranças nas favelas em SP

Pesquisadores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) da Fundação Getulio Vargas (FGV) analisaram o processo de construção de lideranças em três favelas da capital paulista. O estudo, publicado na última quarta-feira (29) nos Estados Unidos, foi elaborado a partir da realização de entrevistas e pesquisas de campo, por dois anos, nas favelas dos bairros Campo Limpo, Capão Redondo, e Jardim Ângela, todos na zona Sul de São Paulo.

A pesquisa, intitulada What Favelas Can Teach About Leadership: the Importance of Shared-purpose and Place-based Leadership (O que as Favelas Podem Ensinar sobre Liderança: a Importância da Liderança com Propósito Compartilhado e Local, em tradução livre), foi publicada como um dos capítulos do livro Reimagining Leadership on the Commons: Shifting the Paradigm for a More Ethical, Equitable, and Just World (Liderança Compartilhada: Mudando o Paradigma para um Mundo Mais Ético, Equitativo e Justo, na tradição livre), da editora Emerald.

O autor principal do estudo, o pesquisador da EAESP-FGV Renato Souza, destacou três características comuns encontradas no processo de surgimento de lideranças nas favelas pesquisadas. A primeira delas diz respeito ao que o pesquisador chama de liderança “coletiva ou relacional”.

“A primeira coisa é que, contra uma visão muito comum sobre lideranças, liderança na figura de uma pessoa só, em uma posição formal de autoridade, como a gente enxerga muitas vezes, eu pude entender que, na favela, em um lugar onde você não tem chefe, não existe relações formais de autoridade, a forma de construção de liderança se passa pela capacidade que eles têm, moradores e líderes comunitários, de estabelecerem relações entre eles”, explica Souza.

Capão Redondo, zona sul da capital. – Rovena Rosa/Agência Brasil

De acordo com ele, diferentemente do que ocorre em organizações privadas ou públicas, onde há estruturas e processos formais de autoridade, e em que, normalmente, a liderança é atribuída à figura de um líder, de uma pessoa que detém autoridade, nas favelas o processo depende menos dos traços específicos das pessoas que se tornarão líderes.

“Normalmente, quando a gente tem um líder, a gente começa a procurar nessa pessoa alguns traços, de personalidade, ou características ou estilo para se explicar a liderança. [Nas favelas], são relações múltiplas, diversas, complexas, e não tem, necessariamente, a ver com nenhum traço de personalidade, ou característica pessoal [que determinam quem será o líder]”, ressalta o pesquisador.

Um outro aspecto observado pelo pesquisador é a intensa mobilidade, nas favelas, entre as posições de líder e liderados. “Tem uma hora que eu estou liderando; e tem uma hora que você é liderado. Liderar e ser liderado se torna um processo muito mais dinâmico do que a gente está geralmente a costumado em empresas, em situações formais, onde tem a figura de uma pessoa que diz o que precisa ser feito e os outros seguem”.

O pesquisador destaca ainda que o surgimento das lideranças nas favelas é uma resposta para necessidades locais e geralmente estão associadas a um propósito compartilhado por todos daquela comunidade, geralmente para resolver problemas locais.

“[O estudo detectou] a importância do propósito compartilhado, do propósito comum, que esses moradores desenvolvem face à realidade que vivem, de vulnerabilidade econômica e social. Um propósito comum que é importante, que vem antes, inclusive, do surgimento da liderança”, explicou.