Em 1 ano, de 30 de junho de 2022 a 30 de junho de 2023, a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) registrou 66 casos de ataques à imprensa nos nove estados que compõem a Amazônia Legal. A informação consta do relatório Amazônia: Jornalismo em Chamas, divulgado nesta quinta-feira (21) pela entidade, ressaltando que a região impõe desafios aos jornalistas, como a concentração de veículos nas mãos de poucos e a dificuldade de angariar fundos que o jornalismo independente enfrenta.
Do total de episódios relacionados pela entidade, 16 aconteceram enquanto os profissionais da mídia produziam reportagens sobre agronegócio, mineração, povos indígenas e direitos humanos. No período das eleições presidenciais de 2022, ocorreram um terço dos excessos contra a imprensa.
Entram na contagem da RSF agressões físicas, assédio e ameaças. Os casos foram coletados por um observatório integrado por profissionais da imprensa e organizações da sociedade civil.
Outro aspecto pontuado no documento é a desigualdade na esfera da tecnologia, na qual os jornalistas podem esbarrar. A RSF propõe, ao inventariar os problemas próprios da região, já conhecida por sua complexidade, provocar o poder público e redações de jornalismo a refletir sobre o assunto e ampliar possibilidades para facilitar a cobertura de fatos.
Negra, e premiada com um Prêmio Esso e um Vladimir Herzog, a jornalista Kátia Brasil, cofundadora com Elaíze Farias, da agência Amazônia Real, tem anos de estrada no jornalismo, diz que a estratégia que adotou para conseguir aguentar o tranco da cobertura na região foi constituir “uma casca de tartaruga”.
A tática, complementa ela, que se vê como “sobrevivente” dos ambientes ameaçadores, serviu também para se resguardar dos assédios e do racismo das redações por onde passou.
A fala de Kátia Brasil vai ao encontro ao do jornalista Daniel Camargos, da Repórter Brasil, que vai guiando o espectador pelo documentário Relatos de um correspondente da guerra na Amazônia, em que rememora o período da apuração do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, de quem se aproximou. O filme foi exibido na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, e assistido pela reportagem da Agência Brasil, durante a mostra Histórias da Amazônia, promovida pelo Pulitzer Center.
No documentário, a equipe da Repórter Brasil também abre uma discussão sobre como é relevante o apoio institucional das redações para que os repórteres e demais profissionais que saem às ruas possam ter condições de exercer com segurança seu ofício. Além disso, comentam como a Repórter Brasil mudou a percepção sobre dar espaço ao contraditório, depois do assassinato de Dom e Bruno, em virtude do clima de extrema hostilidade de quem dá essa outra versão dos fatos, o chamado “o outro lado”.
Perguntada pela Agência Brasil sobre como a redação que comanda há quase uma década lida com protocolos de segurança das equipes de reportagem, Kátia disse que segue as regras um plano de segurança já consolidado entre os colegas do veículo. Em média, a Amazônia Real faz cinco viagens por ano, e toda vez que alguma equipe está em campo apurando informações, outro colega fica responsável por acompanhar cada passo que dá e sabe exatamente sua coordenada, para poder socorrê-la, caso entre em perigo.
Uma regra de ouro que os profissionais da agência de jornalismo independente e investigativo estabeleceram foi a de não aproveitar o transporte usado por lideranças das comunidades que protegem por meio de seu trabalho, como as indígenas. Isso porque, entendem que ao estarem em sua companhia nesses momentos fazem com que os líderes se tornem mais suscetíveis a ataques de inimigos.
Conforme enfatiza a jornalista da Amazônia Real, as fontes de financiamento de um veículo são a régua por onde se mede a autonomia de um veículo da imprensa. Ou seja, tem que se ter em mente que o dinheiro pode terminar até onde os repórteres podem vasculhar para levantar informações, porque, eventualmente, acabam incomodando quem paga as contas da redação. Segundo Kátia, a independência na linha editorial é um dos princípios que a agência que criou mais busca preservar intactos.
“Apesar de sermos uma mídia pequena e sem fins lucrativos, a gente pensa muito no autocuidado com o jornalista dentro da redação, e para que tenha equipes que trabalhem de forma tranquila, porque os assuntos que a gente escreve são muito duros para a gente, que nos deixam abalados durante a cobertura. Durante a pandemia, teve o apoio da RSF para ter investimento e permitir que nossa equipe fosse cuidada por psicólogos”, revelou Kátia, acrescentando que 15 funcionários foram beneficiados pela medida.
Em junho deste ano, o Ministério da Justiça e Segurança Pública finalizou as inscrições para a composição do Observatório da Violência contra Jornalistas e Comunicadores Sociais, criado em fevereiro. O grupo está sob a coordenação-geral da Secretaria Nacional de Justiça da pasta e é formado por pesquisadores, juristas e representantes de entidades de defesa da liberdade de imprensa e de expressão.
Ao todo, são 33 membros, sendo 22 atuando como titulares e 11 suplentes. O governo federal tem três assentos; o Ministério Público, dois, um escritório de advocacia, um; pesquisadores de universidades federais, dois; e 26 lugares são reservados a representantes de federações, associações e institutos.
Fonte: Agência Brasil
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